10/08/2007

Ritos fúnebres: a festa da morte

Via aqueles parentes desconhecidos como vultos, vagando pelo cemitério, vazio, às escuras. Todos mortos, em caixões enfileirados, sem ninguém para velá-los. Pensava em todas essas coisas, olhando para sua avó estirada, fria, pálida e roxa, exposta aos olhares de todas aquelas pessoas que ele mal conhecia. Algumas vinham de vez em quando e davam-lhe um tapinha de leve, nas costas ou nos ombros, dando pêsames. No enterro passavam pelas ruas próximas, como anunciando a morte dela. Dois homens passavam por perto e se perguntavam o que era aquilo.
- Quem será que morreu?- dizia o mais novo e mais curioso deles.
- Provavelmente alguém com muito dinheiro- falou o mais velho.
- Tem uma foto ali ô, é uma velhinha
- Ah! É só mais uma velhinha rica morta – o mais velho fazia uma cara de desprezo, de quem pouco se importa.
Atravessaram a rua, seguindo para o lado oposto ao da procissão fúnebre. O menino seguia ao lado do caixão. Andava cabisbaixo e, às vezes olhava para a foto da avó, lembrando das conversas que tinha com ela, da sua alegria, seus sorrisos espontâneos, seu jeito doce que o acolhia e, sentiu uma pontada no peito, uma dor intragável que travava sua garganta pelas lágrimas aprisionadas. Não choraria ali na frente deles, despejaria mais tarde toda sua tristeza, sufocando-a no travesseiro, sozinho no quarto. Recordava de que ela não queria nunca ficar sozinha, que gostava da companhia do neto. E, prometera a si mesmo que conversaria sobre seu túmulo. Traria para ela todos os tipos de rosas, suas flores preferidas; montaria um jardim de rosas ao redor de sua lápide. Enquanto o caixão sumia dentro da cova, rouxinóis cantavam, como se despedissem da pobre velhinha. Ficaria mais um pouco ali, até que quase todos tivessem ido embora, para velar por ela. Chegando em casa foi direto para o quarto. Não conversava com ninguém desde que tudo acontecera. Foi direto para o quarto, sem dirigir uma palavra a sua mãe que o olhava preocupada.
- Não vai querer comer nada, você deve estar com fome?
Subiu as escadas, mudo. Nem respondeu a pergunta da mãe, que franzia a testa. Foi direto para o quarto. Deitou de bruços na cama, estava cansado, mais não conseguia dormir, mirava as estrelas da janela, fixava os olhos no teto e tentava não pensar em nada. Os olhos, enchiam-se d’água, as lágrimas insistiam em cair, deslizando pela lateral da face, escorrendo até o lençol. Debatia-se sobre a cama, comprimindo a cabeça contra a parede e, em seguida, desatando a chorar sobre o travesseiro. Isso se deu sucessivas vezes, todo seu corpo doía. Ficou parado, olhando para o vazio. E depois de alguns minutos, fechou os olhos e adormeceu. Sonhava com seu funeral. Via-se em um caixão destampado, sendo velado por parentes, que próximo a ele, choravam e lamentavam sua morte como uma grande perda. Um velhinho de cabeça branca, que nem lembrava quem era, abraçava sua mãe dizendo: - Ele era muito novo, é mesmo uma pena ter morrido assim- sua mãe chorava mais, confundindo-se choro com soluços. Depois, todos saíram da sala. Dois empregados entraram, carregaram a tampa pesada do caixão, colocando-a sobre ele e o fechando lentamente. Escuridão, solidão e asfixia. Tudo é desconfortável. Ele sente movimentarem o caixão e, vai se debatendo, seu corpo colidindo com as paredes da caixa. Não conseguia se mexer, por mais que tentasse, estava paralisado.
É colocado ao lado da cova. As últimas palavras do padre, soam como uma sentença: - e ele entrará no reino dos seus. Dito isso, o caixão é deslocado lentamente para um buraco fundo e sombrio. Entra na cova onde permaneceria até a putrefação de sua carne, lesmas, minhocas, formigas e vespas passeariam sobre seu crânio, comeriam seus olhos, penetrariam em seus ouvidos, boca e nariz; andariam aos montes sobre seus corpo, infiltrando e comendo suas vísceras. Dois homens vão ficando suas pás à terra, e despejando-a sob o caixão. Ele só escuta um som seco, de algo caindo levemente na tampa acima dele. Tem como que uma dificuldade cada vez maior de respirar, pânico, desespero, queria gritar, mas sua voz sumira. Ninguém escuta o praguejar desesperado dos mortos, esta frase latejava em sua mente, martelava sua cabeça. Não conseguia mais respirar, o ar lhe era pesado, seus olhos não enxergavam nem mais a luz de seus olhos quando os fechava; nenhum ruído mais, só ouvia um silêncio velando as sepulturas. Era o fim, uma morte após a morte, uma maneira mais macabra e bisonha de morrer. Foi emergindo aos poucos para a luz, despertava lentamente, suas pálpebras foram se abrindo devagar. Abre os olhos e corre-os pelo quarto, fixou-os a janela, olhava para as estrelas. Pensava que sua avó poderia estar entre elas, uma lágrima escorre pela face.

3 O duelo continua: http://gustavocaran.multiply.com/

Um comentário:

Anônimo disse...

Certamente a noite cuida de acalmar os maus pensamentos e as trsitezas profundas do menino.
Isso me faz lembrar de algo que passei. Uma ficção contada em http://www.gustavocaran.multiply.com/