11/08/2007

O Andarilho

Vaga, caminhando pela trilha tortuosa que passa por trás da montanha, coberta pela vegetação; está distante da cidade, dos barulhos, dos aparelhos e dos automóveis e nada o impede de pensar e defrontar-se com seu eu, de se perguntar e se angustiar. Ele pensa que é como se fosse agora um dos cigarros de um maço qualquer nas mãos de um mendigo, sujo, fedido, entre seus trapos. É o cigarro sozinho, mas que tem dezenove companheiros dentro do maço. Ele é escolhido tirado de sua solidão para ser pego entre os dedos do mendigo que não vê a hora de dar aquela tragada, queimar o fumo até chegar ao filtro, e apagar sua brasa na calçada. Pensa então que é uma maneira pífia de findar seus dias, mas à mercê da solidão não há muito que ele possa fazer.
Encostado junto à parede o mendigo fuma e assopra a fumaça. Círculos vazios de fumaça que começam pequenos próximos a sua boca, seca e faminta, vão aumentando seu raio e se distanciando, crescendo e existindo até desfalecerem. A brasa do cigarro queimando espanta para o mendigo o frio da manha. O cigarro já na metade. Sua mente viaja, nela, ele sonha e divaga. Ele é um vagante das montanhas que pode contemplar o verde para além da trilha tortuosa, mas que se perde na angústia e se compadece de si mesmo por sua própria existência, fria e melancólica. E torna-se o cigarro que o mendigo escolheu e fuma. Está quase no filtro. A brasa já mais vermelha. O mendigo segura, com a ponta dos dedos, o cigarro pelo filtro, movimenta o braço em um trajeto reto até o chão. A aperta e roda-o com os dedos contra a calçada. Ele mesmo se apaga e dorme ao abraço doce da morte.

4 Os melhores se revelam! E a disputa continua: http://gustavocaran.multiply.com/

10/08/2007

Ritos fúnebres: a festa da morte

Via aqueles parentes desconhecidos como vultos, vagando pelo cemitério, vazio, às escuras. Todos mortos, em caixões enfileirados, sem ninguém para velá-los. Pensava em todas essas coisas, olhando para sua avó estirada, fria, pálida e roxa, exposta aos olhares de todas aquelas pessoas que ele mal conhecia. Algumas vinham de vez em quando e davam-lhe um tapinha de leve, nas costas ou nos ombros, dando pêsames. No enterro passavam pelas ruas próximas, como anunciando a morte dela. Dois homens passavam por perto e se perguntavam o que era aquilo.
- Quem será que morreu?- dizia o mais novo e mais curioso deles.
- Provavelmente alguém com muito dinheiro- falou o mais velho.
- Tem uma foto ali ô, é uma velhinha
- Ah! É só mais uma velhinha rica morta – o mais velho fazia uma cara de desprezo, de quem pouco se importa.
Atravessaram a rua, seguindo para o lado oposto ao da procissão fúnebre. O menino seguia ao lado do caixão. Andava cabisbaixo e, às vezes olhava para a foto da avó, lembrando das conversas que tinha com ela, da sua alegria, seus sorrisos espontâneos, seu jeito doce que o acolhia e, sentiu uma pontada no peito, uma dor intragável que travava sua garganta pelas lágrimas aprisionadas. Não choraria ali na frente deles, despejaria mais tarde toda sua tristeza, sufocando-a no travesseiro, sozinho no quarto. Recordava de que ela não queria nunca ficar sozinha, que gostava da companhia do neto. E, prometera a si mesmo que conversaria sobre seu túmulo. Traria para ela todos os tipos de rosas, suas flores preferidas; montaria um jardim de rosas ao redor de sua lápide. Enquanto o caixão sumia dentro da cova, rouxinóis cantavam, como se despedissem da pobre velhinha. Ficaria mais um pouco ali, até que quase todos tivessem ido embora, para velar por ela. Chegando em casa foi direto para o quarto. Não conversava com ninguém desde que tudo acontecera. Foi direto para o quarto, sem dirigir uma palavra a sua mãe que o olhava preocupada.
- Não vai querer comer nada, você deve estar com fome?
Subiu as escadas, mudo. Nem respondeu a pergunta da mãe, que franzia a testa. Foi direto para o quarto. Deitou de bruços na cama, estava cansado, mais não conseguia dormir, mirava as estrelas da janela, fixava os olhos no teto e tentava não pensar em nada. Os olhos, enchiam-se d’água, as lágrimas insistiam em cair, deslizando pela lateral da face, escorrendo até o lençol. Debatia-se sobre a cama, comprimindo a cabeça contra a parede e, em seguida, desatando a chorar sobre o travesseiro. Isso se deu sucessivas vezes, todo seu corpo doía. Ficou parado, olhando para o vazio. E depois de alguns minutos, fechou os olhos e adormeceu. Sonhava com seu funeral. Via-se em um caixão destampado, sendo velado por parentes, que próximo a ele, choravam e lamentavam sua morte como uma grande perda. Um velhinho de cabeça branca, que nem lembrava quem era, abraçava sua mãe dizendo: - Ele era muito novo, é mesmo uma pena ter morrido assim- sua mãe chorava mais, confundindo-se choro com soluços. Depois, todos saíram da sala. Dois empregados entraram, carregaram a tampa pesada do caixão, colocando-a sobre ele e o fechando lentamente. Escuridão, solidão e asfixia. Tudo é desconfortável. Ele sente movimentarem o caixão e, vai se debatendo, seu corpo colidindo com as paredes da caixa. Não conseguia se mexer, por mais que tentasse, estava paralisado.
É colocado ao lado da cova. As últimas palavras do padre, soam como uma sentença: - e ele entrará no reino dos seus. Dito isso, o caixão é deslocado lentamente para um buraco fundo e sombrio. Entra na cova onde permaneceria até a putrefação de sua carne, lesmas, minhocas, formigas e vespas passeariam sobre seu crânio, comeriam seus olhos, penetrariam em seus ouvidos, boca e nariz; andariam aos montes sobre seus corpo, infiltrando e comendo suas vísceras. Dois homens vão ficando suas pás à terra, e despejando-a sob o caixão. Ele só escuta um som seco, de algo caindo levemente na tampa acima dele. Tem como que uma dificuldade cada vez maior de respirar, pânico, desespero, queria gritar, mas sua voz sumira. Ninguém escuta o praguejar desesperado dos mortos, esta frase latejava em sua mente, martelava sua cabeça. Não conseguia mais respirar, o ar lhe era pesado, seus olhos não enxergavam nem mais a luz de seus olhos quando os fechava; nenhum ruído mais, só ouvia um silêncio velando as sepulturas. Era o fim, uma morte após a morte, uma maneira mais macabra e bisonha de morrer. Foi emergindo aos poucos para a luz, despertava lentamente, suas pálpebras foram se abrindo devagar. Abre os olhos e corre-os pelo quarto, fixou-os a janela, olhava para as estrelas. Pensava que sua avó poderia estar entre elas, uma lágrima escorre pela face.

3 O duelo continua: http://gustavocaran.multiply.com/

09/08/2007

Faz-se no paralelo do tempo

Tempo paralelo que emerge. Melodias passam no vento como lembranças que caem no esquecimento. Sorrisos que fazem e se desfazem. Desvio de olhares. Redemoinhos de paixão e de ódio. Viradas do tempo que não cessa em um ardor continuo e implacável. O mundo parece girar em uma submissão infernal que aprisiona a existência. A consciência aprisionada guarda segredo. O tempo, nela está. Nela se fecha e não passa. Mente e espírito partem para a plenitude. Face aos outros suas ações são estranhas e a eles pouco se assemelha. O universo esta com ele em sintonia. Não se declina, nem se impressiona, não se apruma, nem venera. É aquele que estende sua mão, mas também aquele que a recolhe, desentendido pela racionalidade.
Tudo se desfaz e se desarma perante sua presença e tudo que se diz soa-lhe como menos, meras palavras que não descrevem a experiência. Só se abre e se revela para aqueles prontos e abertos a recebê-lo. O acaso é negado, pois nada há ao acaso. Os traços se perfazem na escuridão ou na luz. É o caminho que se percorre que o diz.
O buraco em que se encontra foi cavado com as mãos próprias e se nada fizeres, poderá se sepultar a si mesmo no esquecimento, lugar comum para onde muitos vão, se deixão ir ou influenciar.
Sê justo e sincero consigo mesmo e vê a ti mesmo quando se defrontar com o espelho da verdade. Ele mostra a morada do coração, seu desejo mais profundo, busca-o e encontra dentro de ti. Salva-te de ti mesmo e faz-se no paralelo do tempo.

1 Como duelo de Faroeste, segue a continuação:http://gustavocaran.multiply.com/